sexta-feira, 14 de março de 2014

Crime e Fantasia: Quais os Limites? Há limites?



Neste artigo, um dos resultados das nossas pesquisas no tocante aos Crimes Virtuais, com base em disciplinas como História da Sexualidade, Antropologia Cultural, História do Cotidiano e da Vida Privada, História da Guerra, História da Morte, História da Mulher, entre muitas outras, temos um alerta acerca das questões intrínsecas e estruturais por detrás de uma das modalidades de Crime Virtual mais banalizadas: a incitação à violência sexual e o atentado violento a pudor convertidos em texto e imagem, e engendrados em cenas de fetiches e fantasias. Para onde estaremos rumando?
Após pesquisarmos as múltiplas dimensões do Crime Virtual, podemos perceber que em muitos casos existe a transposição do conflito estrutural entre real e irreal, virtual e presencial, também na mescla de anseios e de motivações da própria ação brutal dentro do ciber mundo. Em um mundo virtual, a violência passa a ser textual e visual, e a necessidade psíquica de alguns seres humanos em exibi-la passa a ser consumida por outros tantos como um prazer, ou uma diversão, perante a dor alheia. Talvez as raízes desse comportamento estejam no panorama global, em que a violência, radio tele difundida, tornou-se mais que acontecimento sensacional, mas sim, sensacionalístico, passou a produto e objeto de consumo, alterando possivelmente drasticamente o cérebro, por possibilitar, dentro da grande crise de valores e descrédito de composições culturais anteriores, uma reassociação entre a adrenalina do proibido e do perigoso, com os impulsos mais instintivamente selvagens, e animalescos, do ser humano: o ataque, a coerção ela força, pela violência, a brutalidade voraz e predatória, tomadas como fetiche, fantasia, mas enlevadas a artigo de prateleira, facilmente obtenível em pencas de sites.
Percebemos isso claramente no tocante aos Crimes Virtuais Sexuais. A banalização do sexo, e a sua associação com o proibido, o perigoso e com a fantasia da violência, produziram na internet uma enorme variedade de perversões sexuais relacionando agressão e prazer, e muitas vezes, parecendo-nos extremamente reais quando buscamos na web pelas terminologias padrão. Notou-se textualmente de finais da década de 1990 a 2006, um aumento da violência textual, quando os sites de hard sex, ou seja, sexo duro, pesado, forte, que ainda demonstrassem alguma obstinação em emoções intensas, passaram a perder espaço para os sites de rape, um dos termos em inglês para estupro, que anexaram ao universo da fantasia, as mesmas violências que também parecem ter crescido no mesmo período na vida presencial. A violência presencial, portanto, foi realmente transposta ao virtual, mas ganhou a categorização de fantasia e produto de consumo. Mas serão todas as cenas existentes na web, realmente, fantasias? Ou ainda, muito além desse debate, seria uma fantasia totalmente imune de consideração criminosas? Não seria uma fantasia rape uma maneira de incitação à violência sexual? E não seria ainda, por se considerar o aspecto público da internet, uma maneira de atentado violento ao pudor, uma vez que a grande maioria desses sites não oferece quaisquer barreiras de cadastro para que os internautas os acessem?
Dúvidas a parte, notamos ainda que a célebre Teoria dos Interditos do antropólogo Marcel Mauss também se aplica à consideração dos crimes virtuais sexuais na web, uma vez que a associação entre festa tabu parece estar bastante expressa na transformação dos atos agressivos de violências como rapto, abuso sexual, sexo forçado, estupro e violação sexual, termos que se referem quase ao mesmo, alusões a crimes jurídicos, que além de quebrarem virtualmente tabus, mantendo exibições ligadas a crimes morais como incesto, ou ainda na deturpação de instituições, como nas alusões de rape cometido por padres, freiras, militares, enfermeiras, professores, alunos, etc., que enriquecem, como personagens de fetiches, as fantasias encenadas nos sites desse tipo de perversidade cultural. Essa alusão a símbolos socialmente sagrados, representantes de instituições consideradas como relacionadas ao espírito de família e de moralidade, parecem demonstrar bem a teoria de Mauss, transferindo o tabu do incesto para toda a sociedade, ao mesmo tempo em que transforma a agressão e o imoral em produto de consumo, e portanto atividade cotidiana, comum, acessível.
O que fazer? Capturar e remover as páginas que diretamente expõe o conteúdo seria o procedimento padrão, mas observamos, e alertamos, aqui, que existe muito além disso uma dimensão muito mais profunda e perigosa para a qual não basta proibir, remover nem bloquear, mas sim agir culturalmente: o comportamento psíquico que vem direcionando o escapismo da violência justamente rumo à aceitação consumista e sensacionalista da violência. Penso que seja um desejo de fazer com que a violência acabe, e percebendo que essa não acabe, que num comportamento um tanto neurótico ou mesmo psicótico, esteja surgindo uma popularização da violência por sua transformação em objeto de consumo. Se esse processo continuar, receio o futuro da sociedade, pois estupros, torturas e outras violências mais, correrão o risco de serem consideradas normais, e nesse momento, teremos regredido muitos milhões de anos, uma vez que até mesmo o Homem de Neanderthal, há cerca de 200 mil anos atrás, sabia o que era a família, pelo que demonstram evidências de suas artes, comunidades e funerais. Os Hunos na Idade Média, desconheciam o sentido de família, e foram autores de muitas violências sexuais e outras mais quando invadiram a Europa. Será esse, o destino da sociedade?
Nos tornaremos criaturas selváticas, anteriores ao advento dos valores sagrados que nos separaram do resto dos animais, mesmo que por vezes ainda percebamos atrocidades que nos igualam a esses, ou mesmo, nos fazem superá-los, possuimos enorme vastidão de desenvolvimentos nas artes, ciências, letras, arquitetura, crenças e por aí em diante, que nos tornam únicos. Estará isso tudo condenado à vitória da brutalidade?
Torna-se claro que a melhor solução é agir contra esse escapismo, é enfrentar de frente o problema da violência, mesmo que a violência estatal tenha de ser usada, que o seja como maneira de assegurar a sacralidade da vida, o amor, a paz, a boa convivência, e lutar contra o obscurantismo que representa o consumismo sensacionalista da agressão. É necessário combater realmente, seja militarmente, seja judicialmente, seja pela educação, ou ainda melhor, pelos três caminhos e quantos outros mais aparecerem, a toda essa onda de violência presenciais, para que a sua transposição ao virtual, cesse, e para que as pessoas, cada vez mais isoladas em suas residências, não mais temam a mundo, nem, temendo, busquem refúgio bioquímico nos mesmos anseios e motivações dos quais tem fugido. Deixar o panorama como está, é esperar para que um dia, não seja o presencial que passe ao virtual, mas sim, o virtual que se torne, a partir de sua liberdade sem limites, realizado no presencial! E isso, será a Banalização do Caos!

O trabalho Crime e Fantasia: Quais os Limites? Há limites? de Gustavo Xamã foi licenciado com uma Licença Creative Commons

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